28/10/2022 às 14:05 Entrevistas

Entrevista com Milton Mendonça (ProgPower USA)

170
11min de leitura

O produtor brasileiro Milton Mendonça é uma das pessoas que produzem o prestigiado festival ProgPower USA. Para a edição de 2023, bandas como Kamelot e Myrath estão confirmadas. Conversei com Milton sobre seu trabalho e descobri várias curiosidades bacanas! Boa leitura!

Gustavo Maiato: Como estão os preparativos para o ProgPower USA 2023?

Milton Mendonça: Nós somos três produtores que fazemos o festival juntos. Temos uma filosofia diferente e separamos o evento nos dias 1, 2, 3 e 4. Os dias 3 e 4 são produzidos pelo cara que fundou o festival, que é o Glenn Harveston. Esses dias estão esgotados.

Dividimos os ingressos também, já que somos produtores individuais. Tem toda uma questão de imposto também. Para nós, é mais fácil assim. Eu estou fazendo o segundo dia do festival. Os ingressos para esse dia começam a ser vendidos agora dia 5 de novembro.

Acho que vai esgotar também. Temos a vantagem de o festival já estar estabelecido a um ponto que o pessoal vem independente de quem tocar. Poucos shows podem dizer que tem esse tipo de público. Agora, claro que não dá para arriscar muito na hora de montar o cast. Mas dá para arriscar de vez em quando! [risos]. O público vai estar lá. Isso é bem legal.

Gustavo Maiato: Recentemente, o anúncio do Summer Breeze Brasil 2023 chamou atenção. Como funciona essa questão de transportar o festival da Europa para cá?

Milton Mendonça: A maior dificuldade com certeza é a grana. Produzir show no Brasil é muito caro. Eu nunca fiz show no Brasil, mas tenho parceiros que já fizeram, como o Lucas e o Gustavo da Overload. Tenho uma ideia do custo e do preço de ingresso. Os caras são muito corajosos para fazer show aí! [risos].

Eles estão tentando expandir a marca do Summer Breeze para um território diferente. Isso aconteceu com o ProgPower. Ele nasceu na Holanda. É um festival europeu e o Glenn, em 2001, pegou a permissão para usar a marca e criar a versão dos EUA. Acabou que a versão americana ficou maior. É legal um festival desse porte ir para o Brasil. Público eu sei que tem. Agora é esperar para ver se a conta fecha.

Gustavo Maiato: Aqui no Brasil, o Rock in Rio é tratado como o “maior festival de música do mundo”. Aí nos EUA existe essa visão mesmo? Ou é só marketing?

Milton Mendonça: Não sei se é muito conhecido aqui, para falar a verdade. As pessoas sabem que existe um tal de ‘Rock in Rio’. Só que não entram em detalhes nem nada do tipo. A maioria dos fãs de metal daqui conhecem o Rock in Rio por causa do DVD do Iron Maiden gravado lá. Não parece que o público tem muita percepção aqui. Até porque, as pessoas aqui são mais focadas nos festivais europeus. O Wacken todo mundo conhece. O Rock in Rio, não. Estranho isso, né?

Gustavo Maiato: Então não tem isso de ser o maior festival...

Milton Mendonça: O ProgPower um dia fez uma camisa que dizia: ‘O melhor festival do mundo que você ainda não conhece’ [risos].

Gustavo Maiato: E como é a percepção de bandas como Shaman, Angra e Sepultura nos EUA?

Milton Mendonça: O Shaman é zero. Digo isso sem desrespeito, mas imagino que se colocássemos o Shaman para tocar aqui em shows individuais, não dava nem 30 pessoas. Não é por desmerecer, mas é completamente desconhecido.

O Angra fez essa última turnê do ‘Ømni’ nos EUA e tudo foi facilitado pelo fato de eles tocarem no ProgPower também. Foram shows pequenos, mas muitos deles. Não sei se a conta teria fechado sem o festival. Não fui em todos os shows. Moro perto de Nova York e no show lá devia ter umas 350 pessoas. Isso não é ruim.

Na primeira vez que o Angra tocou aqui nos EUA – e foi no ProgPower, diga-se de passagem –, eles resolveram fazer shows ao redor do festival. Em Nova York, levaram umas 250 pessoas. Isso foi lá pelo ano de 2002. Eles subiam no palco como se tivessem 2 mil.

Imagino que o fato de o Fabio Lione ter entrado na banda provavelmente ajudou o Angra e crescer um pouco por aqui. Ele já fez turnê nos EUA com o Kamelot e era conhecido pelo Rhapsody. É legal saber que o Angra conseguiu tocar em lugares aleatórios por aqui.

Montar turnê aqui é diferente. Tudo é feito de ônibus ou van. Tem os mercados principais. Por exemplo, na costa leste tem Nova York, Filadélfia, Atlanta, Toronto, que é no Canadá, Chicago, Boston etc. Aí, tem show entre Boston e Chicago. Entre as cidades, dá umas 10 horas de deslocamento. Para valer a pena a viagem, tem que encontrar algum show no caminho. Eles chamam de Mercado B, são shows menores. É para evitar dias de folga. Não ganha um cachê alto, mas é suficiente para cobrir os custos da viagem: gasolina, motorista etc.

Então, foi legal ver o Angra tocando em lugares pequenos e levando uma galerinha. Todas as bandas passaram por isso aqui. O Angra demorou muito para vir, mas talvez tenha sido a hora certa. Espero que voltem e continuem crescendo.

Já o Sepultura é o Sepultura. Talvez não seja tão grande quanto outrora, mas leva um público bem legal. Até porque a carreira deles sempre foi mais focada aqui. Vi o Sepultura algumas vezes desde que o Derrick Green entrou. Sempre tinha bastante gente nos shows.

Inclusive, uma vez, fui com o Andreas Kisser e o Derrick assistir a um show do Soulfly em Nova York! Estávamos em um pub planejando o que fazer e vimos que tinha show do Soufly. Decidimos ir e ficamos no fundo da casa, perto do bar, quietinhos. Às vezes, chegava alguém para tomar uma cerveja, olhava para nós e reconhecia. Foi bem divertido.

Não chegamos a falar com o Max Cavalera. Fomos e ficamos quietinhos. Foi inesperado ir, algo decidido de última hora. Mas quantos podem dizer que foram em um show do Soulfly com os caras do Sepultura? [risos].

Gustavo Maiato: Como foi a ocasião em que o Hibria não conseguiu o visto para tocar nos EUA e perdeu a participação no ProgPower?

Milton Mendonça: Lembro que teve esse problema com o visto mesmo. É um processo muito complicado e os passos para isso precisam ser bastante exatos. Não lembro direito o que houve, mas o visto não saiu.

No passado, o visto do Andre Matos não saiu também, quando tentamos trazer a carreira solo dele para cá. Todo ano dá uma merda. O sistema de aprovação é meio aleatório. Você manda a documentação e paga uma grana preta para isso. Só que quem decide sobre a aprovação não é a agência do governo e sim o cara que está processando aquela petição de visto.

Se o cara acordou de mal humor e não quer aprovar o visto, ele simplesmente coloca ‘negado’ e ninguém fica sabendo o motivo nem nada. Os vistos são baseados no mérito da banda. Se a banda é reconhecida internacionalmente e tem carreira com histórico e tudo mais. Pode ser que tenham pessoas que digam que banda reconhecida internacionalmente é o U2. Quem é essa outra aí? Nunca ouviu falar. É difícil. Nunca sabemos.

É engraçado porque uma vez o Blind Guardian quase teve o visto negado! Pediram mais informações para aprovar o visto. Isso depois de eles já terem tocado aqui umas 5 ou 6 turnês. Gastamos uma grana e ficamos torcendo. Se eles não aprovam, não retornam o dinheiro. O investimento já era.

Gustavo Maiato: Para a edição de 2023 do ProgPower, temos o Kamelot como um dos headliners. Eles ficam na interseção entre power, symphonic e prog! O que você acha do som deles?

Milton Mendonça: Quando penso em metal melódico, penso no Gamma Ray, Stratovarius, Helloween, Sonata Arctica, Angra um pouco também. Agora, o Kamelot, no começo, talvez fosse mais melódico. Ali no ‘Eternity’. Eles são muito únicos, com uma vibe mais moderna. Tem elementos sinfônicos e progressivos.

Isso é bom e ruim. O ruim é que é difícil de descrever uma banda. Até se você está tentando apresentar a banda para alguém. Mas para nós, é bom. Não fazemos só prog e power. Já saímos dessas duas vertentes. Gostamos de sacanear o público! [risos]. Já falei que as duas bandas que mais quero ter são o Kreator e o Arch Enemy. Não são prog nem power, mas funcionaria porque tem elementos que o público vai gostar.

Gustavo Maiato: Como você definiria “metal progressivo”?

Milton Mendonça: Tem gente que fala que progressivo tem a ver com a progressão musical. Tem gente que diz que é o metal inesperado, que muda os compassos. Não sei! Eu vou mais por essa vertente da coisa que te surpreende. Que sai do normal. Hoje em dia, quando penso em metal progressivo, vem na minha mente o Leprous. Claro que tem Dream Theater e tal, que iniciou o estilo. Mas para mim, essa é uma das bandas mais inovadoras e criativas que já trabalhei.

Acho legal essa proposta deles de não ter regras. Eles fazem um disco e aí o próximo é completamente diferente. Acho que a música sem regras e sem tentar encaixar em um rótulo define o progressivo. É um estilo difícil de se definir. Não acho que existam bandas de metal progressivo que sejam só isso. Sempre tem influência de outro estilo junto.

Gustavo Maiato: Aqui no Brasil, o power metal é associado a uma coisa que ouvia na adolescência e depois evoluiu e parou de ouvir. Como você avalia isso?

Milton Mendonça: Já vi muita gente falando que metal melódico é coisa de adolescente e que agora cresceu e parou de ouvir. Acho isso uma puta bobeira, para falar a verdade. Você gosta o que gosta, independente de idade ou fase de vida. Eu me amarro. Ontem mesmo, estava no show do Sabaton e Epica – tocando juntos.

Achei interessante porque foi o primeiro show em muito tempo que vi muita criança. A galera de 10, 12 anos, e até adolescentes de 13 ou 14 com a camisa do Sabaton, batendo cabeça e curtindo as músicas! O primeiro show do Sabaton nos EUA foi no ProgPower, em 2010. Vi eles tocando para 150 pessoas e ontem tinham quase 4 mil! Me senti muito velho! [risos]. Vi a molecada no show curtindo. Me lembrei da época que eu estava lá fazendo isso. A idade vai chegando, né? A leva de fãs vai se renovando.

Agora, aqui nos EUA, esse negócio de achar que evoluiu e parou de ouvir metal melódico não existe. Música é música, independente do conteúdo lírico ou temático. Aqui, o pessoal que ia assistir o HammerFall ou Sonata Arctica 20 anos atrás continua indo nos shows. Definir o estilo baseado na idade da pessoa é bobagem.

Gustavo Maiato: Recentemente, o Megadeth cancelou o show no Rock in Rio para abrir para o Five Finger Death Punch – que é totalmente desconhecida aqui. Isso foi inteligente?

Milton Mendonça: Pelo lado do business, o Megadeth está certíssimo. O Five Finger Death Punch é muito grande aqui. Não vou dizer que eles apresentam uma temática única, mas eles sempre se pronunciam a favor do apoio do Exército dos EUA. A relação que o povo americano tem com as Forças Armadas é muito próxima. Está no coração das pessoas.

Por eles serem uma banda que tem laços com as Forças Armadas, naturalmente o povo desenvolve uma conexão com a banda além da música. Eles fazem shows em bases militares cobrando menos. Eles dão apoio moral ao Exército e isso faz com que muitos se interessem. Eles são muito populares aqui.

Não é surpresa eles não serem populares fora dos EUA. Eles fazem o marketing da banda para o público correto. Por questão de mercado e business, entendo a escolha do Megadeth. Como fã, é difícil entender. Um ícone como o Megadeth abrindo para o Five Finger Death Punch, que eu particularmente não gosto muito.

Não tenho essa conexão emocional com as Forças Armadas daqui. Ficamos pensando tipo: ‘Como que os grandes caíram?’. Mas é normal. Hoje, o Five Finger Death Punch aqui é maior do que o Megadeth. Não tem nem como negar isso. Entendo que muitos virem a cara. Tem que entender que tem banda que em determinado território faz show para 30 pessoas e em outros para 4 mil. O Shaman e o Angra são exemplos disso.

Gustavo Maiato: Teve alguma banda que deu muita dor de cabeça para trabalhar?

Milton Mendonça: Dentro do ProgPower, não lembro de nada assim. Já fiz muitos shows por fora. Uma vez, apareceu a oportunidade de encaixar uma banda na turnê do Manowar, como show de abertura.

Resolvi arriscar e entrei em contato. Alguém da produção falou que realmente o Manowar estava buscando uma banda de abertura, mas ia ser no estilo ‘Pagar para tocar’. É um assunto que muita gente fala que é ridículo, mas isso acontece no mundo inteiro. Os fãs precisam entender que isso é normal.

Aí, o cara da produção disse que iam retornar em breve. Deu uma hora depois, toca meu telefone. Atendo e é o Joey DeMaio! [risos]. Normalmente, esse tipo de conversa é com o agente ou produtor. Nunca é com a banda! Ele falou que escutaram a banda e gostariam de ter eles abrindo.

Essa turnê acabou nem acontecendo na verdade! Eles cancelam muito shows. Aqui eles brincam e dizem: ‘Outras bandas tocam, o Manowar, não!’ [risos]. Só que eles pediram US$ 3 mil por show. O normal seria uns US$ 300. Falei que era meio caro, mas aí eles disseram que providenciam coisas que outras turnês não providenciam, como cordas extras para a guitarra e baixo! [risos].

Ainda bem que era só pelo telefone. Imagina a cara que eu não fiz! Falei que ia conversar com a banda e entraria em contato. Nunca mais falei nada. Foi a maior cara de pau que já encontrei. O próprio Joey DeMaio no telefone falando que queria essa fortuna por show. Sei que muitas pessoas são fãs. Ele não foi cuzão, sabe? Ele foi simpático e tranquilo, só que foi de um nível de fora da realidade que nunca vi igual.

Gustavo Maiato: A banda Myrath, da Tunísia, também está confirmada para o ProgPower 2023. É legal como eles conseguiram fundir a cultura regional deles com o metal...

Milton Mendonça: Eu acho que o fã de metal melódico nos EUA está ficando mais acostumado com esse tipo de mistura. O pessoal está mais mente aberta. O próprio Angra já fez isso, misturando música brasileira com metal melódico. Muitas bandas misturam músicas folclóricas europeias com o metal. O Orphaned Land leva influências do Oriente Médio. Então, nada mais justo do que o Myrath continuar isso! Não vejo nada de errado e adoro o som deles.

Acho eles excelentes. Tem tudo para crescer. Muitos questionam o fato de eles serem headliners. Eles tocaram no Brasil e não foi algo muito grande. Nós já tivemos o Seventh Wonder como headliner. Se fizéssemos turnê para essas bandas separadas, não ia dar muito público. Para o ProgPower, sim! Legal é que apresentamos bandas para o público e a galera vai atrás.

Gustavo Maiato: Quais os 5 melhores álbuns de prog e os 5 melhores de power na sua opinião?

Milton Mendonça: Com certeza vou esquecer algum! Começando pelo prog, que acho mais fácil. ‘Remedy Lane’, do Pain of Salvation. ‘Metropolis Pt. 2: Scenes From a Memory’, do Dream Theater, ‘Burn The Sun’, do ARK, ‘Flow’, do Conception e ‘The Inner Circle’, do Evergrey.

Agora, de power, fico com o ‘Holy Land’, do Angra, ‘Nightfall in Middle-Earth’, do Blind Guardian, ‘Winterheart’s Guild, do Sonata Arctica. Sei que muitos vão me criticar por isso, mas para mim é o melhor disco deles! ‘Ghostlights’, do Avantasia, talvez por eu ter uma conexão emocional com esse disco, porque fiz o show deles nessa turnê. E para finalizar, o ‘Visions’, do Stratovarius.

28 Out 2022

Entrevista com Milton Mendonça (ProgPower USA)

Comentar
Facebook
WhatsApp
LinkedIn
Twitter
Copiar URL

Tags

milton mendonça progpower usa

Quem viu também curtiu

23 de Jun de 2021

“Foi o Sid Vicious quem me inspirou a criar o Helloween e o power metal!” – Entrevista com Michael Weikath (Helloween)

20 de Abr de 2022

Entrevista: Timo Tolkki (ex-Stratovarius) fala sobre "Visions", Andre Matos e mais

20 de Ago de 2022

Entrevista com Júlio Ettore - Rock Nacional 1980