06/07/2021 às 22:20 Entrevistas

Entrevista com D, do Outlaw: "Dentro do cristianismo têm coisas mais satânicas do que no black metal!"

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Ofuscado por uma minoria barulhenta, o black metal sempre foi um estilo injustiçado. Mais do que queimar igrejas e profanar por aí, o Outlaw, banda brasileira radicada na Europa, provou que dá para fazer música extrema com filosofia e espiritualidade.

Conversei com D., vocalista e guitarrista do Outlaw, sobre esse aspecto mais conceitual do black metal e é claro, sobre o lançamento do EP “Death Miasma”, o mais novo lançamento da banda! BOA LEITURA!

Gustavo Maiato: No Instagram, a descrição do Outlaw está como “anticosmic black metal”. O que significa esse termo?

D.: Nós vemos o cosmo como a vida. Não existe nada além do cosmo, em questão de matéria. Não sabemos o que tem além. Então, interpretamos o cosmo como a vida. Como a criação do Demiurgo. Nos colocamos dessa forma porque nossa ideia é procurar ir além do cosmo.

Gustavo Maiato: Existe algum livro ou filme que corrobore essa ideia? Que dialogue com a sua visão e sejam referências?

D.: As principais referências desse pensamento vêm do luciferanismo. É uma vertente dessa corrente. O livro que trouxe isso para o grande público foram os relacionados à ordem “Temple of the Black Light” que ficou bem conhecido por causa do Dissection.

Tem um disco deles que foi escrito por um sacerdote dessa ordem. Todos os livros deles, como  o“Liber Azerate”, abrangem essa visão do satanismo anticósmico. Não colocaria como satanismo, mas é uma visão contra o Demiurgo. Colocar como satanismo pode ser banalizar.

Gustavo Maiato: Eu pergunto porque normalmente as pessoas associam o satanismo e o black metal com aquele pessoal que queimava igreja e tudo mais. É claro que tem muito mais por trás...

D.: Nas músicas do Outlaw, você não vai ver nenhuma blasfêmia. Não vejo sentido! Não tem porque falar daquilo que eu não gosto. É igual aquele roqueiro de cinquenta anos que quer reclamar do funkeiro.

Não tem porque queimar igreja! Existem várias obras de artes fodas dentro de igrejas que se nós trouxermos para dentro do que trabalhamos nas nossas músicas, da nossa maneira, aquilo não é necessariamente uma coisa cristã. Está lá dentro, foi feita por um artista e você pode olhar de uma maneira cética.

Eu estou morando aqui na Holanda, tem várias igrejas góticas que você olha e fala “caralho! Isso aqui é muito obscuro!”. Não tem como falar que é cristão! Lógico que tem um culto ali, mas dentro do cristianismo existem coisas mais satânicas do que nas bandas de metal! (Risos).

Gustavo Maiato: Vocês já disseram que o Outlaw seria como uma anarquia espiritual. Interessante esse termo: tenho minha espiritualidade, mas não defino em regras ou fronteiras.

D.: Exatamente. É complicado se colocar dentro de um rótulo. Você é satanista? Beleza. Então você acredita no satã da bíblia? Você depende de um livro escrito por gente que você não gosta para sua crença? É isso que você segue?

Não, eu colocaria mais como ocultismo. Tudo que pode ser trabalhado de maneira positiva para mim, eu posso usar. Não preciso me limitar somente ao que os outros satanistas acham que é legal.

As pessoas ficam presas na imagem. O roqueiro tem aquela coisa de querer ser satanista para falar que é mau, para mim não faz sentido. A maior parte dos caras que se dizem satanistas sequer leram os livros!

Gustavo Maiato: Você comentou sobre a visão de satã pela bíblia. Na cultura pop, diversas obras já trouxeram a figura do diabo como a série "Lúcifer" (Netflix), em que o diabo é retratado até mesmo com características positivas. Existe alguma representação do diabo na cultura pop que mais te agrade?

D.: Essa série "Lúcifer" eu nunca assisti! Assisto muito pouca coisa. Gosto de coisas voltadas ao humor! O que mais se aproxima da minha visão é como se o diabo fosse o criador e deus o criador da matéria.

O diabo criou o que está em volta disso. Não vejo como um ser bonzinho, mas também não como algo malvado. Eu li muito Nietzsche, tenho essa visão da dualidade: o que é bom para você, às vezes não é para mim.

Sou relativista, não existe uma verdade absoluta para nada. Minha visão pode mudar, posso ler um livro e minha visão muda. A essência continua ali, a rebelião, não ter regra nem dogma. É uma crença esotérica. Não sou um ateu, mas não tenho que seguir um padrão exato.

Gustavo Maiato: Quais as diferenças entre a cena do black metal no Brasil e na Europa?

D.: Cheguei aqui na Holanda tem pouco tempo, morei antes na Itália. Tenho muito contato com a cena aqui. Nosso baterista é finlandês. Conversamos muito sobre como as coisas funcionam. Tenho muitos contatos.

A cena aqui deu certo. As pessoas estão preocupadas em fazer música e passar alguma coisa dentro da música. Eles não repetem as mesmas coisas. Existem bandas que fazem isso, mas aqui elas têm uma maturidade diferente sobre o satanismo, por exemplo.

Existe um mercado aqui. Não preciso ficar só tocando no boteco de graça, isso não existe aqui. As pessoas vão atrás, o público compra merchandising pra caralho! Aqui você consegue viver vendendo merchandising.

Claro que tem uma panela das bandas maiores, mas não é igual no Brasil onde duas ou três se destacam e o resto fica no underground.

Gustavo Maiato: A história do Outlaw já é grande! Vocês começaram com o disco “Path to Darkness” (2018) e agora estão com o EP “Death Miasma”. Como você analisa a evolução da banda nesse período?

D.: A banda mudou em todos os aspectos. Quando montei o Outlaw, eu era bem mais novo. Eu que produzi desde o começo, então podemos notar minha evolução como produtor musical. Na época da primeira demo, eu não sabia o que eu estava fazendo.

Depois, entrei em um estúdio e aprendi várias coisas. Aí, mudaram todos os músicos. Isso trouxe uma qualidade maior. No Brasil, tem limitações. Normalmente o cara trabalha, faz outras coisas, não tem grana para pagar aula de bateria ou comprar instrumento.

Em 2018, quando gravamos o “Path...”, mudou tudo. Chegou o baterista T., e ele já teve aula com grandes nomes, nunca tínhamos visto nossas músicas sendo tocadas dessa forma! Foi bizarro!

Ele trouxe pratos fodas, melhoramos tecnicamente. Eu melhorei como produtor. Hoje, tenho músicos maravilhosos comigo. As coisas mudaram também porque amadurecemos. Percebemos que precisamos botar mais dinheiro também. Passamos a acreditar mais em nós mesmos!

Gustavo Maiato: Vocês usam codinomes como “D.” e “C.” ao invés dos seus nomes verdadeiros. Por que vocês resolveram usar esses apelidos? É tipo algo meio misterioso?

D.: A minha ideia foi usar a inicial dos nossos nomes para abrir mão do seu ego. Tem gente que só quer entrar na banda porque ele quer ver o nome dele nas coisas. Quando você bota só a letra inicial, você está aceitando que a li naquele meio, seu ego precisa ficar de fora.

Na banda, sou D. e não Daniel. Para o público, muitas vezes ninguém sabe meu nome. Ele abre o “Metal Archives” e não vai ver meu nome lá. No CD também está abreviado. É uma forma de abrir mão do reconhecimento em prol da banda.

Gustavo Maiato: O coronavírus influenciou na composição e gravação do novo EP?

D.: Esse EP nem ia existir, na real! Tínhamos uma turnê marcada para o ano passado com o Power From Hell aqui na Europa. Acabou não rolando. Eu estava na Itália e pensei que seria bom fazer um EP, aí podemos movimentar o nome da banda. Foi o que fizemos.

06 Jul 2021

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